terça-feira, 20 de outubro de 2015

PRIMEIRA VISITA A BOITE - conto

A PRIMEIRA VISITA A BOITE.

Não tinha ainda dezoito anos de idade; era, portanto, inicio de sessenta do século passado. O contato social de um adolescente na época se resumia em visitas familiares, estudos. Já começara a trabalhar, frequentava a Federação Espirita nos domingos de manhã, depois almoçava um prato italiano na Rua Maria Paula em São Paulo. A atividade que mais agradava era o futebol, tanto na televisão, como nos campos de várzea do Ibirapuera e do Itaim. Nunca havia namorado, nem flertado [termo da época], não sabia nem como abordar: - mulher não tinha desejos, foi o que a família passou, ou o que deduzi, não sei?
Pelos papos, a formação de meus amigos de futebol era semelhante. Certo dia José [nome fictício] falou que iriamos conhecer uma boate. Que sua mãe, Da Irene pediu que me convidasse. Sempre saia junto a este grupo familiar. Pedi autorização a meus pais e aceitei. Poderíamos entrar na mesma sendo menores, o nosso acompanhante era influente; senão, só com a maioridade.
Na casa de José, junto com Dona Irene, era desquitada e saia com os filhos, e Beatriz a irmã deste, alguns anos mais velha. Na verdade, eu admirava o modo dela andar como uma garça pisando em ovos, era bonita e charmosa, lógico nunca me olhou. Chegou Roberto, um senhor, de perto de quarenta anos, da classe média alta, como todos nós, que após alguns tropeços em negócios havia recebido certa quantia que estava investindo para voltar ao padrão da família. Era ele que iria nos acompanhar e pagar as despesas.
De início fomos até a Vila Buarque onde este queria mostrar seu grande negócio. Estava confiante. Nos levou até um apartamento finamente decorado, com geladeira cheia de petiscos importados e um bar com Uísque de várias marcas, todos envelhecidos. Era uma confortável sala, com todos equipamentos da época e com acesso a uma suíte montada com capricho. Não sei se era só este apartamento, ou se havia outros no prédio. O grande negócio era alugar para encontros amorosos de empresário por alto preço. Na época hotéis exigiam certidão de casamento para casais, não existiam ainda Motéis e, estavam aparecendo timidamente os Drives nos terrenos baldios, onde os automóveis estacionavam, faziam uma consumação obrigatória e se viravam dentro do carro independentemente do tamanho do mesmo. Certamente o negócio daria um bom retorno e o convite objetivava propaganda na camada que poderia passar sigilosamente, de boca a boca o empreendimento, ou seja, a mãe e a irmã de meu amigo. Na ocasião nada nos ocorreu, nem a mim, nem a José.
Após visitar o novo ramo de Roberto, nem sem antes degustar o uísque e os petiscos, fomos a Av. Paulista para continuar a noite, Roberto era conhecido no local. O nome da casa noturna me fugiu, ficava ao lado da Rua Augusta, quase na esquina, em direção à Rua da Consolação. As mesas eram apertadas e as cadeiras estofadas ficavam justas a elas. Como praxe muito escuro [ainda não havia nem luz negra, nem estroboscópica nos estabelecimentos]. Um por um ocupou seu lugar; logo que sentei notei algo diferente no chão, mesmo com a penumbra do local. Sempre tive olhos de lince e dificilmente um objeto me escapa do olhar. Peguei, com certa dificuldade, dado o exíguo espaço o objeto em questão. Era um maço de dinheiro. - Alguém perdeu, pensei comigo. Poderia ser do Roberto ao passar para seu assento ou de alguém que ocupara o lugar anteriormente, não contei a quantia, dava para perceber que era um bom dinheiro e, não era meu.
Estava com um grande problema: Se fosse de meu anfitrião poderia fazer-lhe falta, já que todos carregavam dinheiro [não existiam cartões de crédito e raramente se usavam cheques]; se acaso pertencesse ao cliente anterior ele deveria voltar para procurar, o que parece que não aconteceu; se entregasse para o garçom dificilmente ele repassaria ao dono. Ficar para mim, nem pensar, se chegasse em casa, onde sempre o dinheiro foi controlado para fins educativos, com uma quantia alta era encrenca na certa. Afinal não era meu dinheiro.
Após muito pensar, cheguei ao Roberto:
- Acho que seu dinheiro caiu e acabei de pegar no chão, tome-o!
- Você quer pagar a saída que convidei? Falou indignado.
- Não! Estava realmente no chão.
- Garçom, bradou o Roberto, alguém perdeu dinheiro aqui hoje?
- Não, seu Roberto, ninguém. Respondeu o garçom.
- Então você está pagando, e muito mais que sua parte, com ar meio ofendido.
Dona Irene interviu: - Deixa o menino, se ele quer pagar ou achou, tanto faz, aceita e fim de conversa.
Ainda com ar contrariado colocou o dinheiro na carteira.
Como a casa estava meia vazia, Roberto achou por bem conhecer o Juan Sebastião Bar na Vila Buarque que tinha sido inaugurado há poucos dias.
Nunca mais vi o Roberto, hoje sei que ele ficou furioso pelo fato de eu estar atrapalhando os planos de propaganda de seu novo negócio.
Creio que ele se saiu bem no novo ramo.

Tony-poeta
20/10/15




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