A BARATA, UMA REFLEXÃO
INUSITADA.
O calor
estava excessivo, fui tomar uma ducha, coisa rápida já que a água tem muita
pressão nos edifícios de vários andares.
O pequeno
box de oitenta centímetros de lado faz um quadrado perfeito, com três paredes
de azulejo e uma porta de vidro blindado. Devidamente despido para o banho,
fechei a porta e dei vazão ao liquido. Súbito do canto direito da porta sai uma
barata em grande agitação. A mesma se dirigiu em direção ao piso.
Como moro
em cidade de veraneio, no verão é habitual a visita de tais insetos. Grande
parte dos apartamentos de veranistas passam o ano fechado e, com a presença de
moradores estas saem e invadem os apartamentos dos vizinhos.
Como em
quarenta anos de medicina jamais tive notícias de alguma pessoa adoecida por
baratas, deixei a chinelada para depois do banho e continuei me ensaboando.
O inseto
correu os primeiros oitenta centímetros em direção da quina da parede, muito
agitado, o que atribui a minha presença. Tentou em vão subir nos azulejos;
correu o mesmo tanto a outra quina e parou de cabeça para o alto, como
esperando uma ocasião para buscar refúgio.
No meu
modo de pensar baratas nadam, vivem em banhados e galerias pluviais onde há
bolor do qual se alimentam, continuei o banho. Não se passara meio minuto.
Acabara de me ensaboar e eis que o inseto vem boiando em direção ao ralo, com a
barriga para cima e as pernas encolhida. Estava morto. Nunca imaginei que
ficaria surpreso com tal morte, mas fiquei pensativo.
No meu
modo de imaginar o mundo, sempre acreditei que a vida é um mero efeito do
planeta e a ele pertence, nunca diferenciei uma vida animal de uma vida humana.
A chinelada na barata é apenas uma questão de domínio de espaço e segue as
regras da natureza, mais nada. Me constrange mas faz parte do jogo.
Lidar com
a morte faz parte de minha profissão, em enfermarias e Pronto Socorros a morte
acompanhava os dias de trabalho, é um contato íntimo. Mas esta morte da barata
era diferente.
Na medicina
recebemos pessoas doentes, acidentadas, afogadas onde nosso trabalho é
restituir a vida. O óbito é sempre uma hipótese presente; tanto é que nos
grandes serviços, com todas especialidades se realiza regularmente a Reunião de
Verificação de Óbitos, não para atestar displicência, porém para em conjunto
verificar se pode haver melhores alternativas para os doentes que nos
procurarão com patologias semelhantes.
Para nós
a morte é sempre uma perda e sensação de limitação de nosso conhecimento, onde
um ser doente com potencial de não cura, não conseguimos inverter a situação.
Vemos a morte como derrota, não pensamos no que representa a vida. Apenas lutamos
para mantê-la.
No caso
da barata minha visão foi o oposto. Era um ser vivo, ágil, não doente que em
menos de um minuto morreu num meio em que se aproximava do que vivia. Foi neste
momento que realmente compreendi a fragilidade da vida. Basta um instante, um
descuido ou um acaso e toda energia desaparece com as patas cruzando o peito. O
dia a dia, mesmo em presença de doentes que faleceram e de baratas que levaram
chineladas nunca tinha me oferecido esta visão real que a vida é tão efêmera e
frágil e se desmancha em segundos.
Terminado
o banho, ainda olhei consternada para a barata morta para ver se se movia.
22/01/2015
Tony-poeta
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