sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

O ANDARILHO VELHO - crônica -



O ANDARILHO VELHO.
Lajeado RS


No banco do jardim, na praça da Igreja da Matriz, estava sentado um andarilho. Era um senhor de mais de setenta anos, com cabelos e barbas brancas, sem sinais de nenhum trato há muito tempo. Vestido em andrajos, como todos que por lá apareceram.
A cidade de Ipê, uma pacata cidade de interior era com frequência visitada por estes caminhantes, já que ficava em uma região de entroncamento rodoviário e, aqueles que caminham a esmo sem preocupações com a vida por lá aportam, descansavam, antes de seguir seu rumo ignorado.
A idade aparente, um aspecto sadio e uma feição tranquila daquele senhor chamava atenção de quem por lá passava.
O banco que o viandante ocupara era estratégico, dele podia se perceber todo o movimento do comercio, agitado acima do normal por ser época natalina. Nesta ocasião os habitantes da cidade e da zona rural fervilhavam as calçadas fazendo suas compras de final de ano.
O dono do restaurante em frente, seu Juventino ofereceu um prato de comida, a que o viajante aceitou e falou chamar-se João.
Disse estar só de passagem. Foi muito educado e se saiu discretamente das perguntas de sua vida pessoal sem agredir.  
O que mais chamou a atenção do comerciante, além do modo de falar, foi o jeito fino com que se alimentou, parecendo ser uma pessoa de origem abastada.
Alguns rapazes próximo deste senhor, lá pelas quatro horas da tarde, conversavam. Augusto, portador de forte asma e rinite estava incomodado com forte falta de ar e os espirros. O andarilho assistia. Após meia hora, este senhor pegou um papel, uma caneta que portava, para espanto dos jovens que olhavam, escreveu alguma coisa. Dirigiu-se ao asmático.
- Se o senhor não se importar, tome este remédio. Vem do Sul e vai te ajudar. E voltou para onde estava acomodado.
Curiosos os rapazes foram a farmácia do Sr. Otávio. Mostraram o papel receita e, o farmacêutico falou:
- Sim! É um antialérgico de um laboratório Gaúcho. Nenhum dos médicos daqui jamais receitou, acho que tenho uma caixa, vou olhar.
Pouco depois voltou:
- Aqui está, vence este mês. Se quiser experimentar pode levar, que vou jogar fora, mesmo.  Não vai custar nada.
Os jovens agradeceram e, mesmo desconfiado Augusto tomou. Dali uma hora estava bem melhor. A tosse diminuíra e o nariz parou de escorrer. Comentaram entre si o ocorrido e concluíram que o mesmo poderia ser um médico desiludido andando pelo mundo. Rapidamente a hipótese se espalhou.
No final da tarde o andarilho era o comentário geral da cidade. Bateram algumas fotos do mesmo com o celular, sem chamar atenção do cidadão; Rita tentou conversar com o senhor e conseguir mais informações, já que era Assistente Social, sem sucesso. Educadamente e de modo fino apenas falava que chamava João, estava descansando e nenhuma informação adicional.
Procuraram Dr. Jair, o delegado; este explicou que o local era público e o cidadão estava se comportando como gente fina, mesmo assim ia pensar em como tirar as informações, já que estava também intrigado.
Lorena, a secretária do Dr. Nelson, relatou ao mesmo o ocorrido, no final do expediente e este ficou muito preocupado:
- Um colega em tal situação, vou conversar com os outros, se for médico temos que tomar uma atitude e socorrê-lo! Exclamou.
Naquela mesma noite, na Associação Comercial seria realizada a reunião para complemento dos detalhes do “Natal das Crianças Pobres”. Um evento do município, com poucos acertos a serem feitos, já que era igual todos os anos, os pontos de distribuição eram conhecidos e o número de crianças pouco variava.
Juntamente com a distribuição dos presentes ofertados pelos comerciantes, três barbeiros cuidavam do visual dos garotos e os médicos orientavam sobre saúde, caso houvesse necessidade, os políticos marcavam sua presença. Enfim, repetição de todos os anos.
A Associação estava cheia nesta noite, muito mais do que de costume. A reunião do Natal foi rápida e nem as objeções que o comerciante Altair costumava fazer, sempre demoradas e detalhistas foram colocadas. Desta vez ele ficou quieto. A pauta correu em poucos minutos.
A seguir Francisco, o Grão Mestre maçom pediu a palavra:
- Como todos sabem, tem um senhor de aspecto fino, na Praça da Matriz. Temos que sondar se precisa de ajuda.
O Padre Antonio completou:
- Ofereci para o mesmo se acomodar na Igreja, mas este declinou, de maneira muito delicada, alegando que o coreto e bem ventilado e lá se sente mais à vontade e está só descansando.
Dona Clotilde, secretária do prefeito sugeriu:
- Vamos ver se tem alguém procurando este senhor. Imediatamente Dr. Nelson falou:
- Pode ser que seja da área da saúde, até receitou, sendo prontamente interrompido pelo Sr. Otávio:
- E deu certo pelo que me consta.
- Qual o nome do remédio que ele passou? Perguntou o médico.
- Depois falo pra o Doutor, falou o farmacêutico com um sorriso irônico nos lábios.
Dona Clotilde continuou. Vamos colocar a foto deste senhor para rodar.
- Como? Indagou o Prefeito.
- Faço uma mensagem explicando a situação do mesmo, anexo as fotos. Dá para baixar no computador. Mando as mensagens para as associações e jornais, vamos ver se alguém o está procurando.
Assim foi feito, fizeram em conjunto uma mensagem bem explicita, anexaram as fotos e enviaram por e-mail aos Sindicatos de Médicos, Enfermeiros, Engenheiros, Advogados e assim por diante.
O Padre falou:
- Antes de encerrar a reunião, já que passava das onze horas. Alguém tem que tentar conversar com esta criatura. Eu não consegui nenhum dado.
Pode ser o Dr. Silva, sugeriu alguém.
- Sim, falou Da. Clotilde, ele que cuida dos birutas da cidade, tem jeito para este tipo de conversa.
- Nunca atendi na praça, falou o psiquiatra; mas, em se tratando de uma pessoa necessitada, vou tentar ver o que consigo.
Ficou ainda certado que o cabelo e a barba seriam tratados, que dariam roupa e calçado novo. Marcaram para as nove horas a entrevista do psiquiatra com o andarilho.
Nove horas em ponto, saíram da Associação Comercial, se dirigiram a Praça Matriz e lá descobriram que o Seu João, partira de madrugada e nunca mais ninguém teve notícias do mesmo. Afinal estava só descansando.

19/12/14
Tony-poeta.






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