sábado, 20 de setembro de 2014

A SOGRA DO ALAOR

A SOGRA DO ALAOR


Alaor estava desolado. Julinha sua esposa tenha feito um vestido novo para Dinorá sua sogra, e ficava de minuto em minuto perguntando se ela estava bonita:- parecia que vestia uma boneca, pensava ele. Dinorá continuava estática frente à televisão, e não poderia ser diferente. Era uma Não Viva. Estas pessoas, as Não-Vivas, habitavam a maioria das casas da região. É uma longa história.
Alaor começou a recordar:
Há oito anos o laboratório Organic implantou uma semente de transgênico. Escolheu a dedo cinco municípios isolados nas margens do Jujui, pequeno riacho que cortava todos eles. O experimento começava no Jujui da Nascente, e ia até Jujui de baixo, passando pelas cidades de nome de Cima, da Margem de praia e Jujui do Barranco.  Ao todo moravam mil e quinhentos agricultores nesta área. Viviam de plantar milho e feijão e tinham alguma criação para consumo.
Os Técnicos disseram que tinham colocado um vírus que quando as sementes brotassem sairiam e matariam todas as pragas.
Foi uma fartura. No primeiro ano a produção deu o dobro, saiu até na televisão no Jornal do País.
A lavoura de milho, no mesmo ano, foi feita como de costume: enterrar os pés de feijão depois de retirada as sementes, o que era um bom adubo e barato. Daí o milho era plantado.
Mesmo com tempo bom e chuvas o milho minguou e não deu nem para o gado.
Ano seguinte, plantaram feijão e não nasceu nenhum pé. Aí começou a tragédia.
Primeiro vieram os cientistas da firma; depois de alguns dias os do governo e a seguir os cientistas do exterior: da Europa de dos Estados Unidos.
Vieram muitos cientistas, todos com roupas de astronautas, olhavam e depois iam embora.  
Depois de algum tempo, sumiram todos os cientistas e representantes da firma. Isolaram os cinco Jujui e os Municípios
Em volta da Mata Florida, do Pássaro Alto, da Cavalcantelândia e de Jurema Triste. Mais mil e quinhentas pessoas.
A partir daí ninguém mais entrava nem saia na região. Diziam que o vírus também atacava a pele das pessoas e por aí também era transmitido.
Era verdade. A pele de todos habitantes ficou parecendo escama de peixe; tinha que passar lixa para tirar a poeira que sobrava.
Pouco depois vieram tratores e represaram o Rio Jujui. Em tempo recorde. Não queriam que contaminasse o Rio Bonito, onde desaguava. Para isso fizeram uma barragem e desvio, onde a água ficou entre o planalto e a montanha que cercava a região, sem saída.
Diziam que resolveriam depois como escoar. Quem morava na parte baixa teve de mudar para a o alto, pois a água inundou. O riacho como era muito pequeno, levaria muito tempo para chegar à parte alta, talvez nem chegasse, pois em pleno semi-árido com secas às vezes de mais de ano, dificilmente encheria o açude.




                                                                        I


Seu Genivaldo, prefeito de Jujui de cima, o político mais experiente do local, aproveitou que os Movimentos Verdes estavam fazendo barulho no mundo todo e, resolveu agir. Ele tinha conhecimento, chegou a ser suplente de deputado pelo partido da situação. Quando o Deputado Tinoco ficou três meses fugido, até provar inocência numa acusação de fraude, foi ele que ficou no lugar. Foi, portanto deputado atuante.
O próprio Prefeito fez uma petição, não tinha nenhum doutor advogado nos isolados de Jujui. Expôs que estavam num campo de concentração e sem direito de ir e vir, o que é da constituição, e completou com muitas encheções de lingüiça que achou por bem colocar, para dar mais volume ao processo.

Chamou Roger e Alaor para corrigir o português e enviar o manifesto.
Enquanto olhava a enorme papelada, Alaor que orientava na escrita pensava na vida.  
Da. Zefa, sua esposa perguntou:- Não está bonita?
Sabia que qualquer resposta que desse se referindo a Não-Viva geraria discussão.
Sua sogra, filha de Coronel, sempre altiva e mandona continuou assim, mesmo falecendo. Parece que as pessoas que não voltam a terra não morrem e permanecem vivas palpitando na vida dos outros. Falou um – Ta! Bem seco.
Zefa continuou:- Vê como eu penso direito, como está toda dura fiz as laterais soltas e alinhavei depois, ficou perfeito. Ela está de roupa nova para ver televisão.
Conhecendo a mulher, deu corda. –Ainda bem que você mantém o carinho, pensando:- A velha não larga do pé.
-Pois vou manter ela bonita até resolver este problema. Retrucou a esposa enquanto alinhavava as dobras que ficaram caídas na região das axilas.
Alaor, bravo com a interrupção de suas recordações ficou imaginando da besteira que fez de vender sua casinha na Capital e ir para o sertão, só porque Zefa não queria deixar a mãe velha sozinha.
Agora a velha também mandava nele, mesmo naquele estado. Devia ter ficado com os amigos de escritório, com o João e o Junior bebericando no final do expediente e fazendo o que queria.  Mas estava lá, não adiantava.  Continuou a pensar no texto.
O Roger, dizem que quem deu o nomeou foi o avô que gostava de bang-bang. Como a mulher não deixou por nome estrangeiro nos filhos, colocou no neto. A avó morreu alguns meses antes, não atrapalhando o registro.
O Roger era esforçado, aprendeu a usar o computador e depois a consertar, era o único que entendia. Principalmente agora que não dava para sair nada do Rio Jujui, nem uma agulha; era só por internet, o contato de qualquer objeto por um habitante é contaminação certa.
Roger leu o grande requerimento e, depois de três dias de discussão entre ele, o Alaor e o Prefeito e destacaram: O campo de concentração e o direito de ir e vir.
Roger postou na net como petição.
Foram colhidas milhões de assinaturas. Do País não foram muitas, era quase tudo de fora. Mesmo assim, o governo achou por bem, para não ter pressão Internacional, mandar ao Supremo Tribunal de Justiça.
Nunca se viu uma petição andar tão rápido.
Quinze dias depois começou o julgamento. Ninguém pediu vistas, realmente era um assunto de urgência. Três dias depois estava quatro a quatro e o relator Ministro Marcondes ficou com o voto de Minerva.
Fez uma longa explanação do motivo de seu voto, como todos os Ministros fizeram. Após três horas, sem apartes, concluiu: Não era campo de concentração, pois não tinha câmara de gás; portanto um simples confinamento. Este confinamento era amplo e dava a seus habitantes o direito de se locomoverem nele mesmo não havendo veículos nem animais de tração. Além do mais era apenas uma medida sanitária, provisória, e que seria revogada assim que o problema do vírus fosse resolvido. Acrescentou: esta medida se justificava pelo bem comum. Não mudaria nada, portanto.
Continuaram confinados. Parte da população adoeceu por falta de bactérias para digerir os alimentos e outra não. Algumas pessoas mantiveram as que participavam da digestão e não foram afetadas. Idosos e crianças foram as maiores vitimas e a população diminuiu pela metade.
Já as bactérias de decomposição da natureza, estas desapareceram, mais nada apodreceria e se decomporia no local.
O governo então resolveu, via Net fazer o controle familiar. Como já mandasse a ração alimentar, pois ali não mais se produzia nada e, por falta de milho e capim a criação já tinha sido comida ou sacrificada. Passou a distribuir pílulas a todas as mulheres, com a ameaça de cortar a alimentação caso alguma ficasse grávida. Alaor acreditava que não seria difícil isto acontecer.
Zefa chamou para o jantar. Como sempre se sentaram ao redor da televisão, desde a morte da sogra abandonaram a mesa. Mesmo Não Viva a presença era obrigatória. A comida era a ração monótona de sempre, a única que conseguiria ser absorvida pelo intestino, ou seja, cinco pílulas de vitaminas e sais minerais, um fiambre de carne para dar proteína e uma papa instantânea de batatas para fazer o bolo fecal. As pessoas estavam todas magras, não havia problema de obesidade. Era uma população viva, magra e descascando.


              


                                                II   

 À noite Roger passou para ver o computador e, falou impressionado com a divisão da população. Pouco mais de mil habitantes restantes estavam divididos em dois grupos, fora os seus amigos: os beatos e os liberados. Sobrava o pequeno grupo isolado dele, do Alaor, do prefeito Genivaldo e de mais trinta pessoas que ficavam lendo, filosofando e procurando uma solução para o problema. Era o grupinho dos intelectuais, que os outros dois grupos olhavam estranho.
Roger começou a lembrar da divisão da população. Depois de muitas mortes e dos velórios uma parte se retirou para as Igrejas e ficou em oração e penitencia. Os intelectuais começaram a ler. Fizeram uma biblioteca com os poucos livros que existiam; quase ninguém tinha livros, a não ser o prefeito que fez uma prateleira de cinco divisões de cinco metros cada e foi à capital. Comprou vinte e cinco metros de livros encadernados de cores chamativas para ornar seu gabinete. Este era o principal acervo, no meio dos livros por metro havia alguns bons romances e uma coleção de filosofia, boa de se ler.
Já com os liberados aconteceu o seguinte. Como não gostassem de Igrejas e não liam ou por não saber, ou por falta de vontade; passaram a andar a esmo no que restou das cidades, sem rumo e sem objetivo. Como todas as mulheres não iriam engravidar, pela distribuição de pílulas e, sem o que fazer, começou a pulação de cerca. De início houve brigas e mortes. Afinal o povo dali é muito machista. Mas como o problema continuasse; os prefeitos, os padres e Roger, Alaor e mais três letrados fizeram uma assembléia com os adúlteros.
Começou brava, foram remarcadas três vezes, até que se chegou a uma conclusão: Não tinha jeito. Ninguém ia parar de pular a cerca. Era melhor então cada um assumir sem brigas e sem ciúmes. Foi falado muito claro: Se teu vizinho comer tua mulher, você tem o direito de comer a mulher dele e ninguém vai brigar e se matar por isso.
No começo ainda deu um ou outro tapa, mas depois cada um assumiu sua postura e não teve mais nenhuma briga. Agora se anda em grupos de homens e mulheres, ninguém tem compromisso com ninguém e fazem o que quiserem na hora que acharem apropriadas.  Lógico que os religiosos não concordaram e se retiraram. Para eles adultério é adultério, mesmo numa população que não vai ter mais filhos. Mas resolveu- se o problema.
Naquela noite conversaram ainda sobre o que deve dizer o Presidente da República. Existe uma grande ansiedade geral. Foi anunciado no Jornal do País na TV que faria um pronunciamento antes da novela, dali a três dias, no sábado.


                                                       


    III

Dia seguinte Alaor, Roger e Seu Genivaldo encontraram-se no velho celeiro como de costume. Só existiam cinco computadores funcionando em toda região. Tinham recolhidos todos os aparelhos com defeito para verem, durante o dia, enquanto tinha eletricidade, ver se aproveitavam as peças boas e tentar montar mais máquinas, senão ficariam fora do mundo.
A luz estava racionada, por não conseguirem pagar a conta, não havia rendimentos na população. Tinha sido cortada. Mas o governo, por meio de um Decreto Lei mandou que fosse restabelecida.
Fizeram reunião com as distribuidoras, os moradores não puderam ir, por causa do confinamento e ficou estabelecida luz das dez da manhã até o final da novela. Tinham que aproveitar o tempo. A MUNDINET doou computadores para a comunidade e estavam no porto aguardando, mas para efetivar a doação os deputados pediram comprovação do numero de família, de acordo com o formulário do Regimento Nacional de Estatística.  As prefeituras estavam sem funcionários, já que não havia mais serviço e salário. Os três tentaram fazer tal relatório. Já enviaram cinco, mas sempre os números apresentados não batem com o dos burocratas da capital e é pedido outro mais minucioso.  Há cinco dias enviaram um bem detalhado, a resposta deve vir de dois a três meses; até lá se aguarde. Se é que vão conseguir entregar com todos os custos que acarreta.
As peças: não adianta nem pedir, além de não ter como pagar, a entrega é difícil, foi depois de murada a região, feita uma cabine a prova de vírus. A carga chega nele na capacidade máxima, se ultrapassar não é entregue. Como num cubículo de um e meio por um mal cabe a ração do mês, mesmo o material sendo doado necessita de outra carga. O governo só disponibilizou uma equipe mensal, dado o alto custo da segurança. Portanto, fora a ração nem pensar. O remédio é remendar o que se tem e rezar para não se desconectar do mundo e torcer que a Mundinet faça a entrega prometida.


                                                                     


             IV





Dia seguinte Seu Genivaldo e Alaor conversavam sobra os não vivos. Lembravam que os primeiros mortos depois da ORGANIC ainda se decompuseram. Os que e seguiram foram enterrados em covas de sete palmos com a cruz, como era a tradição.
Era seca. Com a chegada da chuva, a terra sem húmus tinha virado areia e a enxurrada fez todos os corpos boiarem. Foi um horror. Corpos não vivos boiando por todo lado. Reuniram o que havia de tocos de arvores, galhos e madeira e, com o Padre, o Pastor e até com a benzedeira, fizeram uma reza e cremaram todos. Como morreu muita gente desde que começou o vírus, tiveram que queimar muitos e foi o fim da gasolina no Vale de Jujui.
Depois disso, os que morriam não se tinha o que se fazer. Não adiantava enterrar, já que iam aparecer com a chuva do jeito que foram sepultados. Não havia cimento para se fazer uma sepultura resistente. Tijolo, até que podia se pegar nas casas sem moradores dos que tinham falecido, mas não dava para fazer a massa.
Foi aí, que em outra reunião agitada, ninguém teve nenhuma sugestão, e sem conclusão deixaram que cada um cuidasse do seu Não Vivo, pois chamar de morto alguém inteiro não dava.
Assim cada um iria se virar de acordo com o grau de afeto por seu morto.
Conforme foram morrendo mais pessoas, foi se fazendo quartinhos nos fundos com as embalagens de ração; pequenos barracos e colocados os Não Vivos até que o governo e a Organic achem uma solução.
Seu Genevaldo lembrou que Dona Dinorá era a única que ficava na sala em frente à televisão, coisa que ela sempre gostou, capricho da Zefa, Eta filha dedicada!
Alaor acenou com a cabeça com vontade de dar um xingamento, mas calou-se.
Estavam ansiosos pelas palavras do presidente. Combinaram de chamar o Roger e assistirem juntos. As notícias indicavam que alguns progressos tinham sido conseguidos.
Seu Genivaldo falou da saudade do seu milho e feijão que crescia bonito naquele paraíso do sertão que tinha rio e fartura. Lembrou do cachorro, do burrico, das galinhas, o homem quase chorava. Alaor também estava sensível e esperançoso.


                                                 


              V

Era o pronunciamento. Estavam na casa de Alaor; Dona Zefa não queria deixar Dinorá sozinha, afinal era uma filha companheira, dizia ela. Frente à televisão sentavam Seu Genivaldo e esposa, Roger e esposa e Alaor.
Acabou o jornal. Deu a vinheta e entrou o presidente. Começou falando
- Trago boas notícias.
Todos se animaram. Era à hora. O Presidente continuou
-Conseguimos, graças ao problema do Jujui fazer a primeira Reserva de Caatinga do País. Mostrou o mapa. A região que moravam era apenas um pontinho, cercada de imensa faixa marrom que representava a reserva.
Ficaram meio desconfiados. Ninguém falou nada. A seguir o Presidente disse.
-A virose já tem meios de ser contida; todos sorriram, e continuou: Os técnicos da Organic desenvolveram uma planta que contém esta invasão e, portanto, a virose ficará restrita onde está sem perigo de contaminar o resto da reserva. È a espinheira santa milagrosa, conforme os cientistas a nomearam. Alaor falou:
-Vão cercar a gente com espinhos além do muro. Todos fizeram silencio.
O Presidente continuou: a via de acesso a Jujui vai continuar sendo mantida e conservada. Porem não será reaberta.
Por fim arrematou: Quanto à contaminação de seus habitantes: no momento, estão se realizando estudos que apresentam esperanças e o Ministério deverá entregar um relatório dentro de seis meses, portanto no próximo presidente.
Por enquanto conseguimos trezentas calorias dia de melhora da ração de cada habitante e mais uma polivitaminas.
Boa Noite, a seguir veio à vinheta anunciando a novela Direito a Felicidade.

20/03/12

Tony-poeta







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